falso-poeta (II)

adel barros
impublicável.

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Untitled (Self-Portrait), ca. 1990 – 92 by Darrel Ellis

com hífen, é a nova premissa: o falso-poeta diz, e quando diz, com isso se irrita.

prontamente o ouvia dizer “não sou falso!” mas, não tanto como aquele a quem me aponta o dedo na cara, e diz que sou, e que tanto sinto que ele me humilha – indagava-se aproxegando a mão na barba, e continuava: “sou tão falso quanto o sol que, em todo pouco dia de chuva, tu suplica”, me disse esse falso-poeta.

“não sou falso”, acabei de dizer. “preste atenção enquanto aqui estiver, prezado. tanto falo que irás ficar cansado”, disse ele. “esse é meu trabalho”, eu disse impaciente.

“isso é um trabalho? dormir, acordar, ouvir e estar cansado? quanto custa gastar o seu enfado? não passa por sua fatídica, desonrosa e evidentemente miserável criação mental, de que seu ouvido é mandado?”, disse ele em tom irônico.

“és um coitado! já eu faço o que posso, você é falso quando, em minha atividade já não posso. não tens vergonha? encobre teu corpo podre de amargura, que fede a licor de amarula.”

tu és falso quando respira, falso quando inspira, falso até quando delira – falso-poeta! porque não compreendes que és tu vivente de mentiras. não és verdade, não és mentira – és sonhos perdidos em esquinas, cabelos raspados nas quinas, perigo para ninguém à luz do dia.

és poeira de cinza. vives sob mentira. “por quê?”, seu olhar reluzia e eu resumia: és causa perdida!

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